sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

2018 foi o meu  ano tapa na cara.

Foi o ano " acorda, Alice, é todo mundo racista, machista, homofóbico, sim!"

Foi o ano de inventar uma  nova casa pra morar e receber  muita ajuda no processo. É fácil aceitar ajuda quando vem acompanhada de um " estou à disposição e faço o que você pedir". Eu conheço umas pessoas muito generosas. Mas, meu deus, que inferno é mudar de casa e, sobretudo, entregar a casa antiga ao seu dono!

Foi o ano de entender que nem todo mundo vai estar sempre por perto. Me dei conta disso lá em 2017 e passei tanto tempo sentindo muito, chorando muito, arrancando muito os cabelos. Em 2018, tive de parar de chorar e ajeitar as coisas na cabeça. Foi o ano de deixar as pessoas em paz e de ficar mais em paz.

Foi o ano de viver apesar da ansiedade. Muitas vezes meu diafragma apertou tanto, a cabeça ficou confusa, a voz irracional da ansiedade me disse: não dá, não vai, não faz, não te querem ali, o mundo vai desabar. Estive tão ansiosa que quase me esqueci como é não estar ansiosa. Mas sobrevivi com alguma elegância e paciência.

Foi o ano de escolher entre ser arrogante e choramingona ou fazer meu trabalho. Foi o ano  em que meu trabalho me fez chorar por motivos que eu não esperava. Espero ter aprendido alguma coisa.

Foi o ano de ser honesta acerca da solidão. Me senti muito sozinha, muito sem lugar, muito sem saber o que  queria. Eu, que sempre sei de tudo, fiquei sem saber de nada, meio vazia.

Foi o ano de "olha, não adianta fazer tanto esforço pra ser amada", de "olha, há outras pessoas no mundo". Eu só não sei ainda o que fazer com essas constatações.

Quem sabe dos oráculos e das estrelas ( e quem lê os jornais) já disse que 2019 não será fácil. Eu tô me esforçando pra não chegar no novo ano com medo. Não tem como saber como 2019 será, só espero ter brio e paciência pra viver tudo que há de vir.

domingo, 12 de agosto de 2018


Quando eu era criança, o dia dos pais era um dia de ansiedade e cansaço. A gente gosta de pensar na infância como uma bolha colorida e alegre, mas  eu me lembro bem do meu cansaço infantil. Falo dele e posso senti-lo novamente, bem vívido. Na adolescência, esse dia passou a ser dolorido, de uma dor funda, acompanhada de um sentimento de inadequação. Eu me sentia quebrada, como uma boneca que vem da fábrica com defeito. Achava que tinha  algo de muito errado comigo, a razão de eu ter o pai que eu tinha e a relação que existia entre nós.  E eu fui crescendo, cada vez mais certa de que  o problema era eu, cada vez mais confusa, triste e raivosa. A raiva se instalou em mim de  um modo tal que eu achava que não poderia viver sem ela. Ela ocupou uma parte da minha personalidade, dos meus sonhos, das minhas relações.  Eu me apoiei na mágoa como quem se apóia em muletas. Existia esse cantinho de mim que ninguém conhecia, que eu não dava acesso, o cantinho da mágoa, da raiva, do abandono.



Hoje li muitas pessoas falando sobre seus pais. Alguns diziam das relações felizes com seus genitores, do amor, da confiança, das coisas que aprenderam. Outros falavam de padrastos, tios, avôs. Tudo tão bonitinho de ler. É bom saber que existem pais ótimos, eu conheço pais ótimos, é bom ver as pessoas celebrando seus amores. Mas houve também quem contasse histórias de ausência, de abandono, de palavras difíceis. E ao lê-las me lembrei de algo que meu pai me disse quando eu estava no início  da adolescência: quando você crescer, você vai me entender. Não tenho como saber o que ele quis dizer com essas palavras, mas passei toda uma vida pensando nelas. E quanto mais eu pensava, mais raiva eu sentia porque achava que elas significavam que eu tinha de negar os meus sentimentos e a minha história.

Levou muito tempo, custou muito trabalho emocional e muita paciência, mas eu finalmente entendi.  O cansaço, a ansiedade, a raiva que eu senti  em todos os dias dos pais de que me lembro não são exclusividade minha. A gente vive numa sociedade que permite que os homens vivam suas vidas como bem desejam, que façam escolhas que favoreçam somente a si mesmos, que não dá espaço para que os homens sintam e falem de seus sentimentos, que não exige maturidade e responsabilidade deles.  A gente vive em contextos.  As escolhas que homens adultos fazem não têm a ver com o quanto  seus filhos são bonitos, bons alunos ou legais. Existem homens adultos de todos os tipos. Existem famílias de todos os tipos. Existem relações de todos os tipos. Adultos fazem escolhas, de acordo com suas possibilidades, suas histórias, sua saúde emocional, seu momento de vida. Levei muito tempo pra entender tudo isso.

Hoje eu acordei cansada e ansiosa, mas por motivos bem diferentes. Eu não gosto de estar cansada e ansiosa, mas fico feliz que os motivos não tenham a ver com esse dia. Estou mais em paz com o dia dos pais.  A raiva e a mágoa ainda estão em mim, provavelmente sempre estarão, mas não preciso tanto mais delas, pra me proteger, pra lidar com a dor. 

As escolhas do meu pai não precisam ser a medida do meu valor como pessoa,  a medida do amor que recebo e dou. Existem outros amores, existem outras relações. Existem tantos dias pra celebrar.


domingo, 25 de fevereiro de 2018

História

* eu não acho que seja spoiler o que escrevi sobre This is us, mas  pode ser que pra você seja, então cuidado com a terceira parte do post.


Tenho um tio de quem não gosto. É uma pessoa que nunca fez nada pra que eu gostasse. Na verdade, só fez o contrário. No período em que minha vó esteve internada, perto de morrer, esse tio esteve na minha casa num domingo em que eu ia visitá-la. Ele foi dizer que não podia ir ao hospital porque precisava usar aquele dia de folga pra terminar uma obra em casa - a casa dele está em obra desde que me entendo por gente. Eu não acreditei no que ouvi: a mãe dele estava morrendo no CTI - todos sabíamos que ela estava morrendo, só não falávamos em voz alta - e a prioridade dele era cimento, tijolo, uma parede, sei lá o quê. Saí de perto antes que ouvisse mais daquela ladainha, mas no caminho pro meu quarto, ainda ouvi a frase mais preguiçosa e abominável: me mantenha informado. Prefiro ser surda a ouvir isso. Mais tarde, antes de eu sair pro hospital, minha mãe me pediu pra ligar pra esse meu tio contando como minha vó estava. Ela fez esse pedido só por pedir, eu acho, porque sabia que a minha resposta seria a que dei: Não vou ligar. Se ele quiser que me ligue, tem o meu número.  Algum trabalho  tem que ter, nem que seja gastar crédito do celular.

Ele não ligou. Minha mãe  ligou pra ele no dia seguinte.

***

Minha tia era casada com um homem que sempre considerei um tio e que sempre me tratou como sobrinha. Esse homem existia na minha família antes de eu nascer e nós convivemos de perto até o dia em que morreu. Os últimos 7 anos da vida dele não foram fáceis. Ele passou de um homem que bebia de modo aceitável a uma daquelas pessoas que não tomam banho, não se alimentam, só vivem para o vício. Minha tia sofreu muito durante esse período. É interessante como a condição do meu tio e o sofrimento que provocou se tornaram um tabu na minha família e entre as pessoas próximas. Eu, já adulta, levei muito tempo pra entender o que estava acontecendo. Minha vó, que gostava muito do genro, dizia que meu tio estava se excedendo um pouco na bebida. Mas as pessoas de fora não eram tão afeitas a eufemismos. Uma vez em que uma vizinha que morava no bairro há pouco tempo perguntou pra minha tia por que ela era tão dedicada àquele homem que só estava fazendo merda. Eu estava perto e fiquei chocada. A mulher é uma pessoa boa, que muitas vezes prestou ajuda, as palavras dela não eram cruéis. Ela só não conseguia entender.

A resposta da minha tia foi exatamente o que pensei na hora: " Ele nem sempre foi assim..."


***

É muito difícil escolher um personagem favorito em This is us; a história é contada de modo que a gente goste tanto daquelas pessoas. Mas se eu tivesse que escolher alguém admirável, escolheria Beth. Todo mundo quer ser fibrosa, esperta, linda como a Beth, né? E eu adoro como ela não é fã de Kevin, porque meu coração se derrete pelo Kevin, não só porque o ator é lindo, mas sobretudo porque ele é  um sujeito todo quebrado que se esforça tanto pra ignorar a dor. Tenho vontade de fazer com que Kevin o que a Kate faz. Mas a bem da verdade, se não fossem aqueles flashbacks, se não conhecesse a criança e  o adolescente que ele foi, eu teria a mesma  boa vontade que Beth tem com ele: nenhuma. Convenhamos, Kevin é o cunhado mala.

No episódio em que Kevin está na clínica, Beth e Toby ficam reclamando do quanto Randall e Kate são condescendentes com o  Number One. Beth, aliás, já tinha demonstrado ao longo de todo episódio toda sua contrariedade em dar apoio ao cara que colocou a vida da filhinha dela em risco. Então Miguel surge na conversa com uma fala que diz tudo: só Rebecca e os filhos sabem todo o caminho que percorreram juntos.

Desde que vi esse episódio, essa cena fica aqui  me catucando. Nunca entendi por que minha mãe sempre teve boa vontade com o irmão dela. Ela me dizia: "ah, mas ele é seu tio..." E essa frase nunca me disse nada. Talvez se ela dissesse "ele é meu irmão", eu tivesse entendido antes. 

O amor também é história, né?

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Casca

Existe um tipo de esforço que a gente pode fazer e um outro tipo que deixa a gente sem fôlego.

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Eu sou a primeira a dizer pra qualquer um: " as pessoas só fazem com a gente aquilo que a gente permite" e tô aqui às voltas com situações em que só fico: " ai, meu deus, tão triturando o meu coração!" Daí que de todos lados têm surgido uns puxões de orelha, do tipo " minha filha, é você, é seu coração, se posiciona, se protege". Às vezes, a gente coloca o coração na máquina de triturar e acha que é assim que se garante o amor.  E é tão confortável ser aquela que sofre porque você pode simplesmente dizer: "olha,mas eu tô aqui fazendo tudo que posso!" Eu não quero mais ser assim. Quero perceber logo quando eu estiver sendo assim.

Alguém disse pra minha amiga (mas poderia ter dito pra mim também) que ela se esforçava demais. E pra que se esforçar tanto? Por que achar que precisa se esforçar tanto?

Disseram pra mim que é preciso colocar limite, criar casca.

E eu entendo tudo  isso como necessidade de amadurecer, de ter consigo o cuidado que as pessoas às vezes não têm.  Só a gente sabe o que sente, o que aguenta, o que dói, onde dói.  Se encontra quem tem cuidado com tudo isso, ótimo. Se não encontra, tem que saber dizer: olha, toma cuidado aqui comigo! Olha, não passa desse ponto aqui. Eu não sei fazer isso. Ou fico defendida feito um cão feroz, ou acho que o cuidado é inerente ao amor. Me sinto até idiota escrevendo isso.  

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"Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria  como menino, mas logo cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino" (1 coríntios 13:11)

Talvez eu esteja desvirtuando o sentido do versículo, , mas a mim sempre pareceu que Paulo estava falando sobre amadurecer.


  

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

There's something you should know

Estou lendo um livro juvenil tão bonitinho, daqueles com histórias de amor que não parecem possíveis. Devem ser possíveis, sim. Eu é que sou cética. No livro, o casal formado pelos adolescentes mais adoráveis dança ao som de Ben. Conheço a música, claro, mas não entendia uma palavra da letra. Fui olhar a tradução antes de continuar a ler a história. Chorei enquanto lia. Enquanto o casal adorável dançava, Ben pareceu a música mais bonita do mundo.



 

sábado, 27 de janeiro de 2018

Antes da fase em que não se tem nada mais pra dizer  vem a fase em que você tem medo de dizer qualquer coisa, e quando diz sai tudo diferente do planejado porque você já não sabe com quem tá falando, já não é quem a pessoa pensa estar ouvindo. Acho que todo mundo já passou por isso, eu já tinha passado, mas não lamentando e sentindo o coração partir  mais um pouquinho como agora..

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Minha crise dos 30 chegou aos 32 e meio. Um dia olhei minha boca no espelho e cismei que precisava de preenchimento labial. Eu sabia que não tinha o menor sentido nessa cisma, mas tava decidido: eu precisava, minha boca tava murcha e torta. Todo dia eu olhava, até que chamei minha ex-roommate e pedi que analisasse a situação. Pedi a ela já sabendo que ouviria uma risada. Eu precisava daquela risada. Agora, tenho 33 e meio. Não tenho cabelos brancos nem rugas aparentes, mas cismei que tenho o mesmo bigode chinês que a minha mãe, que tem 60. Minha mãe e eu não nos parecemos em nada fisicamente - aliás essa é uma das questões da minha vida-, mas vejo uma sombra do bigode chinês dela no canto dos meus lábios. Parece que a crise gira em torno da minha boca.

Tenho 33 e meio, e essa parece ser a idade de qualquer pessoa menos a minha. Eu parei nos 28. Não sou crescida o bastante pros 33. Tenho medo de escuro e não sei que dia da semana é hoje. Meu armário é uma zona. Minha cabeça é uma zona. Tenho 33 e minha vida parece toda fora do lugar. Há uns 2 anos fui no Cadu, um cara maravilhoso que faz mapas astrais maravilhosos. Não acredito em astrologia, acredito no Cadu. E ele me disse que eu ia mudar de casa, mudar as perspectivas, mudar o modo de me relacionar com as pessoas. Com o mapa astral, funciona assim: você faz,continua vivendo e aí no momento certo lembra do que foi dito.  Fui vivendo até que cheguei aqui, nesse ponto em que não sei como é o chão embaixo dos meus pés. Verdade que deixei pra trás uns traumas e uns medos velhos, no entanto tenho novos medos. Parece que só tenho medos. E virei ( ou resgatei) a pessoa que só chora. Hoje mesmo chorei no ônibus, voltando de uma tarde solitária e confortável na praia. Chorei abertamente, mas ninguém olhou pra mim, só a moça pra quem eu avisei que o cadarço tava desamarrado. Chorei porque meu coração tá trincado de medo.

Aos 33, eu devia ser mais sábia? Aos 33, eu devia saber que amor não garante nada? Devia saber que a vida muda muito? E lá tô eu chorando de novo. Minhas glândulas lacrimais fazem o que querem.